Minha motivação para escrita e como Cobra Kai me fez lembrar disso

Danilo Queiroz
6 min readJan 14, 2021
Série continua a história envolvendo Daniel LaRusso e Johnny Lawrence, 30 anos depois

Não, esse não será um review da terceira temporada de Cobra Kai (a primeira desde que a série saiu do YouTube), e nem tampouco uma análise sobre os personagens que sequenciam a história contada na trilogia de Karate Kid, que angariou cerca de 50 MILHÕES de assistidas assim que entrou para a Netflix. É sobre como Cobra Kai me lembrou do porque eu escrevo.

Não irei irritar o leitor com uma longa introdução sobre mim (deixemos isso pro resto do texto), mas na perspectiva da escrita, meu “currículo” traz consigo uma participação na antologia Psicopatas, da Editora Illuminare, em 2016; e a publicação de um romance autoral, o thriller O Jogo do Enganador, lançado pela Editora Sinna em 2017.

Eu realmente não me recordo de quando me veio o primeiro estalo de querer publicar um livro, mas eu tenho certeza que foi como uma maneira de escape que encontrei pra uma infância/adolescência mundana, ordinária e com poucos amigos. Não me entenda mal. Eu tive uma infância “boa”. Veja bem, e eu espero que essa seja a última vez que eu me arme de arrogância nesse texto: tive pais que amavam, estudei boa parte do meu ensino fundamental em escola boa e era tido como muito inteligente. Talvez, esse rótulo levou uma equipe da Secretaria de Educação do estado a me diagnosticarem como o terceiro caso de superdotação do Rio Grande do Norte — título esse que eu não hesito em atribuir a minha desgraça. Mas enfim.

Ser uma criança considerada superdotada não é fácil. Os adultos podem até gostar de você por sua possibilidade de conversar com eles; mas as outras crianças te odeiam. Ah, se odeiam. Pra elas, você é aquele primo que tem dois anos de idade e já passou em quatro concursos federais, recebendo quatro mil reais por segundo. Então, ou te afastam por ser chato e sistemático; ou anseiam te derrubar todo santo dia.

Não as culpo. Eu também faria isso comigo. Enfim, resumindo: infância nada sociável com outras crianças e adolescentes. Somando isso a pais que talvez não sabiam muito bem o que fazer com o que filho, eu tive uma infância solitária. Não tinha com quem conversar, ou com quem brincar. Apenas uma coisa costumava fazer sentido pra mim: narrativas.

Desde cedo, desenvolvi paixão pela leitura e por boas histórias. Os paradidáticos do colégio onde eu estudava eram devorados meses antes de serem necessários em algum trabalho. A televisão de casa, localizada na sala, de frente a uma rede, sempre tinha encontro reservado junto da Sessão da Tarde na Globo, que na época, em meados dos anos 2000, não se cansava de passar narrativas de aventura e ação, algumas dessas com crianças, adolescentes e jovens como personagens principais. O meu euzinho dos anos 2000 ficava fascinado com aquilo — isto é, quando não ficava puto.

Não importa se era o fraquíssimo e formulaico 3 Ninjas tentando capitalizar na fama de Karate Kid, ou o fantástico e emocionante Os Karas do Pedro Bandeira; eu me perguntava o porque aquelas histórias fantásticas não rolavam comigo e com meus amigos. Bem, a resposta era simples: é tudo ficção. Mas, o euzinho não se conformava com essa resposta. Minha vida não poderia ser tão caótica e desventurada feito Chumbinho em “A Droga da Obediência”, mas eu estava decidido a encontrar sentido para as coisas através de histórias, nem que fossem só em minha cabeça.

Primeiro, começou com a ideia de que tudo que eu fazia era parte de algo maior, visto por alguém (Show de Truman, alguém?). Depois, se converteu na vontade de eternizar momentos que eu nunca poderia viver em histórias. Se eu não poderia estar lá, justamente por ser ficção, eu poderia fabricar, oras. Na época de um seminário literário no colégio, fiz o roteiro de um recital — foi a minha primeira peça escrita. Decidi que me sentia bem escrevendo histórias, e que seria um storyteller. Daí, o desejo de escrever um livro, de repente.

De início, tudo o que me vinha era a reciclagem de outras histórias, sempre me baseando em personagens fantásticos e brilhantes, para criar outros personagens fantásticos e brilhantes; que por se parecerem tanto com os personagens fantásticos e brilhantes que eu me inspirava, não eram tão fantásticos e brilhantes assim. Anos se passaram até que eu conseguisse afinar minhas habilidades de narrativa o suficiente para escrever algo publicável.

Usando de base gente que estava em minha vida, dei personalidade as minhas criações de caracteres. Ali, me sentia completo: eu imortalizava meus pensamentos e as pessoas que eu me importava, dentro de um contexto ficcional exagerado. Eu enfim, era um escritor. Mas, a minha obra havia se tornado uma peça de mercado. Já não estava mais ali me expondo como artista: precisava atender a normas, estruturas, coesão, coerência. Todas coisas vitais, com toda a certeza; mas que gradativamente, se tornaram uma obsessão para mim.

Desde então, nunca mais escrevi nada. Ideias foram e voltaram, mas nada que se tornasse muito concreto. Antes mesmo de colocar o primeiro “A” na minha narrativa, eu já me preocupava com os buracos. Não no sentido de querer corrigir, mas no sentido de olhar para o teclado e me perguntar como sequer era alfabetizado, ou uma mente pensante, por conceber um negócio tão ruim das pernas como a história que eu pretendia escrever.

Em algum momento, eu me perdi. Aquela chama, aquele prazer em escrever… Aquilo fora tirado de mim, por mim mesmo. Eu havia esquecido da minha missão. De meu objetivo. Perdi o olhar inocente e empolgado, que olhava para os amigos com admiração, mal podendo esperar para traduzir tal sentimento em palavras, em personagens. É aí que entra enfim, o título da história: Cobra Kai.

Por algum motivo, ver adolescente trocando porrada me lembrou do que me fazia escrever

Depois de um lobby desgraçado de algumas pessoas próximas a mim, eu decidi ver Cobra Kai, a série que toma a mitologia dos três filmes anteriores (talvez desconsiderando o quarto filme porque a Hillary Swank deve ser cara pra escalar), ressuscitando a rivalidade entre Johnny Lawrence (William Zabka) e Daniel LaRusso (Ralph Macchio), com a ressureição do polêmico dojô Cobra Kai (roll credits).

Talvez seja um pouco errado torcer por uma cambada de adolescente saindo no soco — ou melhor, no chute — , mas algo em Cobra Kai ressoou comigo. Ver aquele contexto de ensino médio, aquele rolê meio young adult, com cada um defendendo os seus ideais, valores e amigos… Me fez lembrar do que porque eu escrevia. Pertencer a um grupo, a uma tribo, onde você se sente acolhido, ao mesmo tempo onde fazem coisas inimagináveis; como por exemplo chutar gente.

Talvez eu escrevia porque eu não poderia encher ninguém de porrada, não sem apanhar, pelo menos. Mas principalmente porque eu achava interessante de me imaginar naquela situação, mesmo que hipotética, junto de meus amigos, das pessoas que eu me importava, julgando-as importantes o suficiente para dar as caras em situações absurdamente fantásticas.

Se eu já estava em processo de recuperação disso graças a maratonas sequenciais de Avatar: A Lenda de Aang e Community, Cobra Kai terminou de realizar o processo de restauração. Minha missão, meu propósito, meu ideal é contar histórias onde as pessoas se sintam representadas, se sintam abraçadas, se sintam participantes de uma mitologia tão discrepante — e tão “próxima” de suas realidades. Ou talvez, eu goste de escrever histórias pra me salvar de dessa coceirinha chata do “E se”. Isso não quer dizer que as pessoas não podem “E se”ar comigo, não é?

E você? Pelo que você escreve? Pelo que você luta? Do que você foge? O que você sonha? O que você quer?????

Olha pra dentro de si. Encontre essa resposta (ou essa pergunta), e se faça ela todos os dias. Pode ser que nem todo mundo escute; mas a sua história precisa ser contada.

Tão profundo quanto um dizer do Sr. Miyagi, não é? Na verdade não. Me esforcei, mas não rolou a citação profunda. No mínimo, pode virar a frase de encerramento de um episódio de Criminal Minds, não é?

Agora, vou lá. Tenho que terminar a terceira temporada de Cobra Kai.

Sempre siga a sua felicidade. Encontre sua voz, grite de cima dos telhados, e continue a gritar; até que as pessoas que estão procurando por você te encontrem.
— Dan Harmon

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Danilo Queiroz

Porque a vida é muito ridícula para fingir que a absurdidade das coisas não é uma série estranha e mal roteirizada que te leva a extremos inimagináveis.