Mossoró continua linda

Danilo Queiroz
3 min readJul 6, 2022

Texto satírico em sobreposição ao infeliz informe publicitário prolongado publicado no Jornal O Globo.

Mossoró é linda pra um caralho — Photo by Raphael Nogueira on Unsplash

Minha sobrinha, Vitória, entrou na faculdade. Foi aprovada pelo FIES em último lugar para a UnP, pertinho do Partage Shopping, na Nova Betânia. A garota vai pra zona sul da cidade, mas antes disso, foi pro céu.

Ela e mais quatro amigas — duas de Fortaleza, uma de Caucaia e outra de Quixeramobim — resolveram fazer um rolêzinho comemorando a aprovação das cinco na universidade mediante um programa do governo, ainda que seus pais tivessem dinheiro pra pagar a porra toda. Elegeram Mossoró, e me encarregaram do rala bucho e da programação, coisa que fiz com prazer, com o auxílio de algumas pessoas que encontrei na rua, como mototáxis e vendedores de chip de mercado. Procurei desfazer, principalmente nas garotas cearenses, um pouco da péssima imagem que Mossoró vem construindo nos últimos anos.

Já na sexta-feira, que chegaram a triste e depressiva rodoviária de Mossoró, as meninas foram recebidas por Gracinha Torquato, dona da loja de roupas em frente ao colégio onde minha sobrinha estudava, sendo que esta contraiu dívidas com a mulher enquanto ainda estava no colégio. Ela já virou parte da família, e cuida de nossas coisas em Areia Branca (ela pediu a casa como garantia do pagamento da dívida). Feliz com o fato de que o pai da minha sobrinha podia finalmente pagar a dívida, Gracinha deu as boas-vindas a todas as meninas lhe oferecendo vestidos avariados, que pedi pra ela arrumar, perto da Riachuelo do centro. À tarde, caminharam pelo inacabado Centro de Convivência e Parque Municipal, e à noite, foram ao salgado de um real do centro, onde minha sobrinha era amiga da filha de dois traficantes desde a época em que o pai dessa menina vendia brigadeiro de maconha: Jorginho Cabeça de Bacia e Marlene da Bodega.

No outro dia, levados por um taxista caolho que havia sido artilheiro do campeonato de bairros de futebol, foram à feijoada do Pirrichil, onde foram recebidas com salvas de tiros (pra cima, claro). Ficaram as 14h às 18h, porque depois disso era toque de recolher no local. A escola de samba Unidos do Cu Careca tocou naquela noite, sendo convidada pela sobrinha do irmão da mulher casada com a ex-sogra do prefeito.

No domingo, as garotas acordaram “culturebas”: Visitaram o museu Lauro da Escóssia, cheirando a mijo do banheiro público do dia anterior; e a Estação das Artes, que ainda tinha estandes do Mossoró Cidade Junina. Ainda encontraram tempo para uma paradinha para intoxicação alimentar, num churrasco grego com carne mais crua do que bandeja vencida de supermercado, o Salmoura Carnes, no Centro da Cidade.

Pelo resto da semana, as meninas não conseguiram sair pela cidade, acometidas de uma suspeita e surpreendente infecção intestinal, sem precedentes. Mesmo assim, foram dias absolutamente inesquecíveis para aquelas garotas, que ainda tiveram, no meio de tudo isso, uma rave cheia da população LGBTQIAP+ de Mossoró, onde todas elas descobriram que o B não é de Britney.

Depois de tantas maravilhas que só Mossoró pode oferecer, voltaram para a vida real, com suas 350 parcelas do FIES, ou seja, para o Nova Betânia, onde Betina Volpato passou de frente a um restaurante japonês e tentou falar com o chef puxando os olhos para as extremidades.

Ficaram na saudade e com uma sensação que Vitória resumiu bem quando eu perguntei o que elas tinham achado da viagem:

— Puta que pariu nunca mais eu piso nesta merda amaldiçoada cidade chibata do caralho seu tio tentou matar a gente nesta porra.

Danilo Queiroz é aluno de jornalismo pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, autor publicado, autointitulado roteirista e apresentador de TV, e se esforça muito — MUITO MESMO — para não ser um idiota completo.

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Danilo Queiroz

Porque a vida é muito ridícula para fingir que a absurdidade das coisas não é uma série estranha e mal roteirizada que te leva a extremos inimagináveis.